Quando o Estômago Grita
Este livro reúne 13 contos que escrevi ao longo de trinta anos, entre 1992 e 2022, três décadas em que a literatura chegou a adormecer por longo período em meu âmago, mas não feneceu. Treze é um número que simboliza o azar para muitos, mas de bom agouro para mim. Treze narrativas cujo liame é o gritar do estômago: de fome, de medo, de ânsia, de inveja, de dor, de desejo, de alegria, de paixão, de prazer, de exaustão, de angústia e de saudade. Porque quando o estômago grita, a alma se cala.
“São 13 contos antológicos que vão surpreender o leitor pela veracidade da ficção, beleza literária e recursos simples de expressão. Essas qualidades mais surpreendem porque definem uma estreante, e logo num gênero difícil como o conto.
O primeiro, “Cacofagia”, causará forte impressão, que se prolongará até o último, “Chileno”, essa narrativa densa que consegue ser delicada ao apreender a intimidade da angústia.
Trata-se duma escritora plena, de estilo sóbrio, como propõe o realismo da hora presente, para um mundo de incertezas e vários tipos de desconforto, mas que não descarta a esperança.
Ao comunicar a Eliete as minhas impressões de leitura, deixei anotado que a técnica de começar a narrativa com o conto já em andamento é uma característica de Machado de Assis, e do melhor de Dalton Trevisan. Aquela ideia de fazer o estômago gritar em todos os contos, na tonalidade certa que cada história exige, é eficaz e inteligente.
Estes contos têm atmosfera, suscitando no leitor cumplicidade, às vezes ódio (“Amor paterno”), medo (“Roca Negra”), saudade (“Bolo mármore”), comiseração (“Cacofagia”), adesão humana (“Dona Iraci”).
Eu invejo quem vai ler estes contos.
E espero outros da Eliete.”
Por Mafra Carbonieri.
*Mafra Carbonieri nasceu em Botucatu (SP) em 1935. Formando-se em direito, foi advogado, promotor público e juiz criminal. Isso o levou à análise e ao conhecimento de graves conflitos humanos – em situações que frequentam largamente a sua criação literária. Sua obra abrange contos, novelas, romances, poemas e ficção infantil, obtendo reconhecimento também no exterior, com diversos prêmios. É autor de Os gringos, O motim na Ilha dos Sinos, Um estudo em branco e preto, Arma e bagagem, Homem esvaziando os bolsos, Poesia reunida, além de outros livros. Membro da Academia Paulista de Letras.
“Obra inicial, mas não de iniciante nas Letras, Quando o estômago grita é expressão escrita de quem domina textos e gerencia ideias e frases como quem tece mosaico sem croquis.
Eliete de Fátima Guarnieri propõe obra literária depois de sólida carreira em Ciências Humanas, preparando-se cada vez mais, com conhecimento crescente e com a aplicação criteriosa dos conceitos apreendidos. Assim não surpreende pelas construções, mas pelas configurações.
As situações abordadas, por vezes lancinantes, são verossímeis e têm potencial para retirar o estômago da posição de conforto.
Os órgãos, de fato, têm manifestação própria, de júbilo, de inquietação, de revolta, de surpresa, somatizando as emoções que nem sempre nos dispomos a assumir. O estômago é protagonista neste enredo.
E esse mecanismo psicorgânico é magistralmente utilizado pela autora, ao longo da obra, ao desfilar seus personagens submetidos à miséria, à insegurança, à decepção, ao medo, à depressão, à inveja, ao desespero, ao ódio, ao prazer, à paixão, à luxúria, ao vício, ao arrependimento e à saudade, esta talvez o pendão da capacidade de sentir.
Todos esses ingredientes vão sendo paulatinamente trazidos à tona, e o estômago dos personagens, reagindo de maneira peculiar, certamente estimula que o do leitor também se manifeste. O texto flui e as sensações sobrevêm umas às outras, às vezes contundentes, ou meigas e suaves. A alternância apraz e incita a curiosidade sobre o que virá adiante.
É extremamente agradável a iniciação literária da autora, que se espera não se satisfaça com a obra consumada, mas siga em busca de novas aventuras.
Já que Machado de Assis lhe é tão caro, vale a transcrição “Pensamentos valem e vivem pela observação exata ou nova, pela reflexão aguda ou profunda, não menos querem a originalidade, a simplicidade e a graça de dizer”.
E seu amor pelas línguas latinas faz-me sentir, ao final da leitura da obra, malheuresement c’est fini.”
Prefácio de “Quando o Estômago Grita”, por Valter Nilton Felix
*Graduado em Medicina pela Universidade de São Paulo, Valter Nilton Felix é mestre e doutor em Clínica Cirúrgica pela Universidade de São Paulo. É Professor Livre Docente da Universidade de São Paulo, título alcançado em 1994. Tem vasta experiência na área de Medicina, com ênfase em Cirurgia Geral e Gastroenterológica, atuando principalmente no tratamento de disfagia, refluxo gastroesofágico e videocirurgia. Graduado também em Direito, aprovado no exame da Ordem dos Advogados do Brasil – SP, tem atuado principalmente em defesa de profissionais da saúde envolvidos em lides judiciais. As publicações também nessa área têm sido fartas.